(Extracto de entrevista dada à revista "Pais & Filhos" em Janeiro de 2006. Entrevista de Sarah Adamopoulos)
O desenvolvimento psíquico dos rapazes contém especificidades. Quais são?
Os aspectos biológicos são determinantes, mas só por si não são suficientes para a construção de um processo de organização de uma identidade masculina. Há inúmeras variáveis. Privilegiaria os aspectos relacionados com a representação do filho na cabeça dos pais. Ou seja, o que aquele rapaz quer dizer, o que significa para os pais, consciente e inconscientemente. Por outro lado, há a história dos próprios pais, aspectos históricos ( familiares) que são determinantes na visão que eles vão ter do seu próprio filho. Quando o bebé rapaz nasce, há um conjunto de variáveis que ultrapassam muito as questões biológicas e morfológico/ anatómicas. Os aspectos mais ligados ao mundo fantasmático dos adultos, na relação com aquele filho, são muito importantes. Depois há ainda a relação do próprio casal, ou seja, a fantasia que o casal terá feito em relação a esse bebé.
E na gravidez também...
Na gravidez também. Uma mãe que tenha feito uma fantasia relativamente a um bebé imaginário, que tenha, por exemplo, desejado uma menina e descubra, entretanto, que vai ser mãe de um rapaz. Quando essa mãe é confrontada com o facto de ter um rapaz, pode receber isto de várias maneiras. Pode digerir a decepção e conseguir ter a capacidade para elaborar uma construção muito diferente daquela que tinha sonhado. Ou, pelo contrário, pode viver isso como algo inaceitável.
No decurso da gravidez, se a decepção da mãe não é ultrapassada, o que pode acontecer entre essa mãe e esse menino?
Pode haver um permanente desencontro, e a procura de ir ao encontro do fantasma da própria mãe, podendo daí decorrer uma permanente indisponibilidade em relação àquele menino. mas muitas vezes, as pessoas não têm consciência disto. Só quando começam a existir sinais psico-patológicos, muito mais tarde, quando as pessoas vão ás consultas de psicologia ou de pedopsiquiatria, é que se concretiza o desejo de compreender. No caso dos rapazes, há fundamentalmente toda a patologia ligada ao agir, ou seja, ao comportamento. Problemas de comportamento, instabilidade, dificuldades de aprendizagem. É na escuta atenta das pessoas que começamos a perceber um bocadinho a história daquelas interrelações.
Do ponto de vista do rapaz que ainda está na barriga da mãe, é difícil para mim imaginar uma vida psíquica- uma vida anterior ao nascimento. O que acontece ao bebé rapaz ainda durante a gravidez? De que forma o bebé vivencia uma hipotética rejeição por parte da mãe?
Existem numerosos estudos que comprovam que o estado psíquico da mãe se transmite ao feto. Mães em estados depressivos prolongados e graves transmitem aos seus bebés esse sofrimento, o que pode ser observado ecograficamente e analisando outros parâmetros biológicos. Pegando na sua questão, uma mãe que recebe mal uma gravidez indejada, pode ter uma tendência acrescida para ameaças de aborto ou bebés prematuros, para vivenciar a gravidez mais como uma doença do que como uma paixão.
Na investigação clínica, estas situações encontram-se com regularidade. Bebés facilemnte irritáveis, muito inquietos, ou então excessivamente calmos, poderão contribuir para agravar mais ainda esse encontro mãe-bebé. (...)
(cont.)
Qual é o papel do pai na construção identitária do bebé rapaz?
O pai é fundamental. E começa logo por ser fundamental na cabeça da mãe. Mesmo nos casos de rapazes que são criados só com mães, ou seja, no caso dos pais viverem separados. Mas há a presença de uma figura masculina na cabeça da mãe, o que ajuda o rapaz a construir a sua identificação masculina.(...)
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I.M.P.